quinta-feira, 22 de março de 2012

sobre povos, banheiros e línguas


França e Alemanha fazem fronteira, como todo mundo sabe. Nem todo mundo sabe que a Alsácia já pertenceu à Alemanha mais de uma vez e dizem que é um pedaço da França completamente diferente por conta da forte influência da cultura alemã. Isso é notável em vários elementos cotidianos: na paisagem, com casas em arquitetura enxaimel; na culinária, onde só muda o nome, mas o prato típico é o chucrute; na abundância de Brasseries – algo entre bar e restaurante, onde se toma cerveja e não vinho, exatamente como os Biergartens alemães; nos nomes das ruas, que ou são em alemão ou ganharam versões francesas por associação com o nome alemão original (os nomes das ruas em Strasbourg dão um post à parte, pois há várias histórias engraçadas, como a da rua do veado, que ganhou esse nome porque lá morava na Idade Média a família Calba, o que fez que, ao mudar pro francês, o nome fosse atribuído a Kalb, que significa veado em alemão). Mas, apesar das semelhanças, eu que troquei minhas lentes há pouco e ando com os olhos bem abertos, com sede de tudo observar, acho tão diferente que ainda me é uma experiência antropológica esta troca diária de país. A começar pelo povo. Ao contrário do estereótipo, os alemães são incrivelmente mais sorridentes, leves e alegres que os franceses. É interessantíssimo: pego o trem de manhã cedo com um bando de gente conversando animadamente, se chamando, e falando tão alto que muitas vezes fica difícil estudar. Ao chegar à França, apesar de já não ser tão cedo assim, encontro pessoas cabisbaixas e olhando pro chão no bonde, cada uma com seu fone de ouvido, não há troca. Por outro lado, a “interação” rola muito mais na hora de abrir uma porta, mandar um “pardon”ou “excusez-moi”. Apesar do mau-humor típico, os franceses seguram a porta pra você o tempo que for preciso se você está dentro do campo de visão de quem está abrindo uma porta. Super irritados, mas não deixam de fazê-lo! E é um tal de “merci” e “je vous en prie” que não acaba mais! Elegantíssimos os franceses. Os alemães não, são quase brutos (inclusive no jeito de se vestir, de andar, de falar), diretos, sem rodeios ou palavrinhas educadas. Mas, em geral, no fundo são mais solícitos e amigáveis que os franceses e não perdem jamais uma tentativa de piada, por mais que não haja aonde enfiar a graça! Por outro lado, também são capazes de deixar uma porta bater na sua cara e jamais cederiam o lugar pra um velhinho ou uma mãe com bebê. Bom, pra isso, bastaria elas pedirem, aí não faltaria ajuda! Se a cultura é da independência, por outro lado, o senso do coletivo é fortíssimo. Percebe-se isso em vários aspectos da organização cotidiana, vide a separação de lixo exemplar (são 7 classes de lixo e todos respeitam isso!). Não há lixo no chão, embora praticamente não haja garis. Mas esse coletivo tem o preço do denuncismo. Dizem que o alemão adora reclamar do outro que fez algo fora da norma comum. Isso fica visível no trânsito, que é impecável, mas rola uma buzinada séria não pra alertar, mas pra reclamar de alguma barberagem! Já na França é “permitido” atravessar em qualquer lugar, correndo-se o risco de ser atropelado por uma bicicleta, esta prioridade máxima. Se rolar algum incidente, todos pedem desculpa, não se aponta o culpado. É cada um no seu quadrado. Falando em quadrado, e os banheiros? Tem semelhanças: em ambos os países costumam ser surpreendentemente limpos (tem sempre papel higiênico – inclusive na faculdade de psicologia! – e a tal escovinha pra você próprio limpar qualquer marca que o seu número 2 possa ter deixado!!), mas na França tem o faxineiro pra limpar e na Alemanha, quando existe algum funcionário, ele fica sentadinho na porta e pega muito mal não dar uma moeda depois de feita a necessidade. Outra coisa interessante é que na França os banheiros mistos não são incomuns. O Laerte é que ia gostar! Aliás, falando em merda, na Alemanha a marca do nazismo ainda é muito presente. Há de se silenciar sobre muitas coisas. Não se ouve, por exemplo, queixas ou manifestações quanto à política de imigração. É claro que rola preconceito, mas não se fala nisso. Mesmo quando o mal-estar é legítimo, como com as gangues de russos numa cidade próxima da nossa roça, a queixa é um sussurro, cheio de rodeios e pedidos de desculpa. Neste ponto os alemães são mais franceses: discretos e elegantes. Já os franceses são alemães em relação aos imigrantes, pois discutem abertamente a política de imigração, cuja dureza é plataforma política explícita de alguns dos candidatos à presidência que vai ser decidida agora. O debate sobre o preconceito e a desigualdade com os imigrantes e seus descendentes é até tema de aula do mestrado. Na Alemanha, só se fala disso entre quatro paredes. Por falar em falar, é interessante que embora o francês seja muito mais familiar e fácil que o alemão, tenho uma dificuldade muito maior de me sentir à vontade falando-o. Acho que é porque a formalidade da cultura francesa atinge também a língua, e tudo o que se diz, há de se dizer com muita propriedade e com as palavras certas, tendo que se ser capaz de explicar e embasar muito bem o que se diz. Já o alemão, não tenho nenhuma cerimônia de falar errado e limitadamente! Falo de um jeito capenga mesmo, complementando com o inglês quando preciso e ninguém me olha de cara feia! Não sinto na pele o tão falado preconceito, do qual tantos se queixam. Bom, eu também não sou parâmetro, com essa cara de européia que podia estar ilegal aqui há anos que ninguém ia desconfiar. Bem verdade que volta e meia tem um controle tenso da polícia no trem que cruza a fronteira. Sempre com homens árabes, sempre. Mas, fora isso, não vejo manifestações xenofóbicas.  Esta é uma coisa interessante e comum tanto na Alemanha quanto na França: é uma multiculturalidade enorme, são muitos os estrangeiros de todas as origens, o povo está acostumado a lidar com gente de fora. Talvez isso faça com que eu me sinta extremamente à vontade nos dois países, que hoje já me são tão caros. 

3 comentários:

  1. Maravilhoso o post! Estive em Paris na casa de uns amigos que moram lá e eles nos contaram várias situações de grosseria e desrespeito. Eles sentem bastante na pele o "ser imigrante". Não há tolerância para o francês mal falado!Enfim, estão pensando em voltar, pois segundo eles, a França tá rumo ao Fascismo. Fiquei chocada, pois nunca senti isso aqui, os ingleses são reservados, mas são tão educados e tolerantes que chego até ficar impressionada com os serviços que o governo oferece para ajudar aqueles que não falam a língua (na rede de saúde você pode solicitar um intérprete para te acompanhar na consulta e também o sexo do médico, para não ferir a religião de ninguém!). Mas enfim, em tempos de crise, a corda arrebenta para o lado dos mais fracos, no caso os imigrantes, nós!

    Nossa, que experiencia a sua de poder vivenciar duas culturas diferentes!No final de tudo, o drama passa e as histórias ficam. Quanta coisa para contar, hein!!!

    Beijos

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  2. Maria, eu aqui na roça tb, mas só que do Brasil, me deliciando com suas histórias. Conte sempre mais!!!

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  3. Eu amei comhecer um bocadinho mais do que se vive aí.
    Obrigada,
    Luciana

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