Exausta depois de fazer 3 faxinas e uma feijoada, mas hoje
não posso deixar de registrar que faz um ano que cheguei nesta terra. E não
digo, como sempre se diz, que o tempo voou. Minha impressão predominante é o
contrário. Afinal há um ano atrás eu era outra pessoa: tinha uma vida, uma
cabeça, um status social, um lugar no mundo e um corpo completamente
diferentes! Acho que talvez só na primeira infância eu tenha vivido e aprendido
tantas coisas em tão pouco tempo. Como já comentei em outro post, neste ano de
todas essas mudanças, aprendi a administrar uma casa, a viver longe de quase
tudo o que me dá sentido (e que não por estar longe deixa de dar, ainda bem!),
a ser casada, a me comunicar em duas línguas novas, a não ser ninguém neste mundão,
a cozinhar, a achar natural cruzar a fronteira de outro país quase todo dia, a
fazer faxina e a ser faxineira... É
coisa demais pra passar rápido! E é muita coisa pra um ano também. Comemoro
este ano, mais serena e me sentindo menos desterritorializada, com a chegada da
primavera, que como tudo aqui é pontualíssima. Impressionante como exatamente
no dia 21 ela chegou, com um dia lindo e um calorzinho delicioso, já trazendo
flores até pro sofrido gramado da universidade, onde uma multidão de estudantes
curtiam o sol e espetavam as flores no cabelo, celebrando a vida ao ar livre! Neste
clima de “voltar à vida” após a “hibernação” do inverno e de mudar de estação,
encerro este ciclo como a primavera: bem mais alegre e com mais vontade de
curtir o sol, de ver gente, de fazer coisas; animada com os planos pro próximo
ano, que imagino que ao contrário deste, vai passar muitíssimo rápido. E aí
será hora de voltar pro meu Brasil, onde é sempre verão!
sexta-feira, 23 de março de 2012
quinta-feira, 22 de março de 2012
sobre povos, banheiros e línguas
França e Alemanha fazem fronteira, como todo mundo sabe. Nem todo mundo sabe que a Alsácia já pertenceu à Alemanha mais de uma vez e dizem que é um pedaço da França completamente diferente por conta da forte influência da cultura alemã. Isso é notável em vários elementos cotidianos: na paisagem, com casas em arquitetura enxaimel; na culinária, onde só muda o nome, mas o prato típico é o chucrute; na abundância de Brasseries – algo entre bar e restaurante, onde se toma cerveja e não vinho, exatamente como os Biergartens alemães; nos nomes das ruas, que ou são em alemão ou ganharam versões francesas por associação com o nome alemão original (os nomes das ruas em Strasbourg dão um post à parte, pois há várias histórias engraçadas, como a da rua do veado, que ganhou esse nome porque lá morava na Idade Média a família Calba, o que fez que, ao mudar pro francês, o nome fosse atribuído a Kalb, que significa veado em alemão). Mas, apesar das semelhanças, eu que troquei minhas lentes há pouco e ando com os olhos bem abertos, com sede de tudo observar, acho tão diferente que ainda me é uma experiência antropológica esta troca diária de país. A começar pelo povo. Ao contrário do estereótipo, os alemães são incrivelmente mais sorridentes, leves e alegres que os franceses. É interessantíssimo: pego o trem de manhã cedo com um bando de gente conversando animadamente, se chamando, e falando tão alto que muitas vezes fica difícil estudar. Ao chegar à França, apesar de já não ser tão cedo assim, encontro pessoas cabisbaixas e olhando pro chão no bonde, cada uma com seu fone de ouvido, não há troca. Por outro lado, a “interação” rola muito mais na hora de abrir uma porta, mandar um “pardon”ou “excusez-moi”. Apesar do mau-humor típico, os franceses seguram a porta pra você o tempo que for preciso se você está dentro do campo de visão de quem está abrindo uma porta. Super irritados, mas não deixam de fazê-lo! E é um tal de “merci” e “je vous en prie” que não acaba mais! Elegantíssimos os franceses. Os alemães não, são quase brutos (inclusive no jeito de se vestir, de andar, de falar), diretos, sem rodeios ou palavrinhas educadas. Mas, em geral, no fundo são mais solícitos e amigáveis que os franceses e não perdem jamais uma tentativa de piada, por mais que não haja aonde enfiar a graça! Por outro lado, também são capazes de deixar uma porta bater na sua cara e jamais cederiam o lugar pra um velhinho ou uma mãe com bebê. Bom, pra isso, bastaria elas pedirem, aí não faltaria ajuda! Se a cultura é da independência, por outro lado, o senso do coletivo é fortíssimo. Percebe-se isso em vários aspectos da organização cotidiana, vide a separação de lixo exemplar (são 7 classes de lixo e todos respeitam isso!). Não há lixo no chão, embora praticamente não haja garis. Mas esse coletivo tem o preço do denuncismo. Dizem que o alemão adora reclamar do outro que fez algo fora da norma comum. Isso fica visível no trânsito, que é impecável, mas rola uma buzinada séria não pra alertar, mas pra reclamar de alguma barberagem! Já na França é “permitido” atravessar em qualquer lugar, correndo-se o risco de ser atropelado por uma bicicleta, esta prioridade máxima. Se rolar algum incidente, todos pedem desculpa, não se aponta o culpado. É cada um no seu quadrado. Falando em quadrado, e os banheiros? Tem semelhanças: em ambos os países costumam ser surpreendentemente limpos (tem sempre papel higiênico – inclusive na faculdade de psicologia! – e a tal escovinha pra você próprio limpar qualquer marca que o seu número 2 possa ter deixado!!), mas na França tem o faxineiro pra limpar e na Alemanha, quando existe algum funcionário, ele fica sentadinho na porta e pega muito mal não dar uma moeda depois de feita a necessidade. Outra coisa interessante é que na França os banheiros mistos não são incomuns. O Laerte é que ia gostar! Aliás, falando em merda, na Alemanha a marca do nazismo ainda é muito presente. Há de se silenciar sobre muitas coisas. Não se ouve, por exemplo, queixas ou manifestações quanto à política de imigração. É claro que rola preconceito, mas não se fala nisso. Mesmo quando o mal-estar é legítimo, como com as gangues de russos numa cidade próxima da nossa roça, a queixa é um sussurro, cheio de rodeios e pedidos de desculpa. Neste ponto os alemães são mais franceses: discretos e elegantes. Já os franceses são alemães em relação aos imigrantes, pois discutem abertamente a política de imigração, cuja dureza é plataforma política explícita de alguns dos candidatos à presidência que vai ser decidida agora. O debate sobre o preconceito e a desigualdade com os imigrantes e seus descendentes é até tema de aula do mestrado. Na Alemanha, só se fala disso entre quatro paredes. Por falar em falar, é interessante que embora o francês seja muito mais familiar e fácil que o alemão, tenho uma dificuldade muito maior de me sentir à vontade falando-o. Acho que é porque a formalidade da cultura francesa atinge também a língua, e tudo o que se diz, há de se dizer com muita propriedade e com as palavras certas, tendo que se ser capaz de explicar e embasar muito bem o que se diz. Já o alemão, não tenho nenhuma cerimônia de falar errado e limitadamente! Falo de um jeito capenga mesmo, complementando com o inglês quando preciso e ninguém me olha de cara feia! Não sinto na pele o tão falado preconceito, do qual tantos se queixam. Bom, eu também não sou parâmetro, com essa cara de européia que podia estar ilegal aqui há anos que ninguém ia desconfiar. Bem verdade que volta e meia tem um controle tenso da polícia no trem que cruza a fronteira. Sempre com homens árabes, sempre. Mas, fora isso, não vejo manifestações xenofóbicas. Esta é uma coisa interessante e comum tanto na Alemanha quanto na França: é uma multiculturalidade enorme, são muitos os estrangeiros de todas as origens, o povo está acostumado a lidar com gente de fora. Talvez isso faça com que eu me sinta extremamente à vontade nos dois países, que hoje já me são tão caros.
quinta-feira, 15 de março de 2012
oftalmologista
dissertação, artigo e trabalhos pra escrever. Mas bom
mesmo é escrever no blog.
Nosso plano de saúde vence em 15 dias, então hoje fui ao
médico pela primeira vez aqui nesta terra esquisita. Oftalmologista. Virei uma
pessoa dependente que precisa de marido até pra marcar um raio de médico.
Acontece que o marido marcou pra um horário ruim. Desafiei meu alemão precário
e bem liguei pro consultório, pedindo pra ir hoje: “Augenartzpraxis, klinisssshhh
rarsh errish larchhh Doktor rashhhhhhrrrressssrrrossssssssssshhhhhhhh, Guten
Tag” – a secretária proferiu quase 5 minutos de Rs apenas ao atender o telefone
e identificar que se tratava de uma clínica oftalmológica. Logo mandei um “Sprechen
Sie Englisch?” Não, ela disse que o Englisch dela era “schlecht”. Então disse
que o meu alemão também era e milagrosamente consegui explicar pra ela que
tinha consulta pra amanhã mas que gostaria de ir hoje. Super gentil, ela me
disse que eu poderia ir e mais um monte de outras coisas que não entendi!
Desliguei explicando que não tinha entendido nada além da parte de que eu podia
ir, então que estava chegando lá. No caminho, um egípcio, pra quem pedi
informação resolveu me levar lá. Estava tão decidido a ir até o médico comigo
que até me pediu pra esperar um pouco pra ele ir ao banco. Argumentei que já
estávamos na rua certa, que ele já tinha sido muito gentil e que agora,
procurar o número era fácil, mas ele insistiu que voltava logo. Fiquei meio
desconfiada, mas obedeci. Chegando à porta da clínica, tive que dispensar o
simpático, que parecia querer subir comigo e participar da consulta. Custei a
desvendar qual das 58 placas na entrada era referente à clínica que eu
procurava para identificar o andar (os endereços aqui nunca incluem o
apartamento ou a sala. É preciso ver pelos sobrenomes, escritos no térreo).
Acontece que o sobrenome da médica que eu procurava constava lá como homeopata
e não como oftalmologista. Chegando, toquei a campanhia e esperei longamente.
Toquei de novo e nada. Até que chegaram duas senhoras que imediatamente
empurraram a porta e entraram. Ri, dizendo que não sabia que era só entrar, mas
ninguém mais riu. A secretária estava altamente enrolada, digitando ferozmente
algo no computador e xingando cada telefonema que tocava fazendo sons
diferentes na recepção (um deles era uma musiquinha irritante). Até que veio
outra secretária, simpática, que felizmente falava um pouco de inglês. Logo
quis ficar com meus óculos e tive que explicar que não era possível, pois sem
eles não conseguiria chegar nem à cadeira da sala de espera. Perguntou de onde
eu era, sorrindo quando respondi, e logo em seguida perguntando também se eu ia
pagar (!) Mostrei-lhe o papel do plano de saúde, que ela olhou estranhamente,
como se não conhecesse. Perguntei se não aceitava tal plano e ela foi incisiva:
“claro, natürlich”; eu hein! Em seguida me chamou na sala de espera com uma
pronúncia que não poderia identificar que se tratasse do meu sobrenome (aqui
não existe chamar ninguém pelo primeiro nome). E olha que meu sobrenome é
alemão! Falou mais alto e mudou a pronúncia, aí sim me identifiquei e ela riu. Voltei
pro balcão de recepção e o telefone continuava agitado. A secretária gargalhava
com a outra, dizendo à pessoa que tinha ligado que ela podia ir ao salão, mas
que se fosse lavar o cabelo, não podia molhar os olhos. “Não, maquiagem deve
evitar na área dos olhos”, “sim, pode vir a pé para o médico, não tem problema
caminhar” e por fim: “então faz o seguinte, senhora: fica com o dia livre
amanhã, vai pro seu salão, aproveita seu fim de semana e vem fazer a cirurgia só
na segunda”. A outra chorava de rir, fazendo gestos de como ela lavaria o
cabelo sem molhar os olhos e como se maquiaria. A própria secretária foi fazer
meu exame de vista. Dizem que aqui na Alemanha é assim – o médico só chega no
fim pra carimbar e assinar o trabalho dos enfermeiros. Em 1 minuto a maquininha
disse, sem eu precisar ficar cantando letras e números cada vez menores, meu
grau. Acontece que surgiu um número abaixo do da minha lente atual, com a qual
enxergo cada vez pior. Expliquei-lhe que, apesar de eu estar velha pra essas
coisas, minha pele e minha vista funcionam como as de uma adolescente e que eu
tinha certeza de que meu grau tinha aumentado em relação ao meu último exame
embora o grau que ela tivesse encontrado fosse abaixo do que uso atualmente. Ela
estranhou, mas disse que ia conversar com a médica. Aí perguntou pra outra
secretária se a médica falava inglês e se mostrou preocupada de ouvir que não.
Achei então que ela explicaria previamente a situação, mas eis que depois de
mais uma longa espera, quando a tal médica me chama, não sabia do que se tratava o meu "caso", além de não
falar nem inglês, nem francês e nem um alemão claro, pois ela também é
estrangeira e tem um alemão carregado na pronúncia! (aqui grande parte dos
médicos é estrangeira, pois curiosamente não é um bom salário e os alemães acabam
raramente fazendo medicina). Chuto que ela era romena, só sei que os milhares
de Rs do alemão eram ditos por ela com a língua no céu da boca, em vez do R
forte, como os nossos 2 Rs. Bom, acho até que fui bem ao explicar novamente
toda novela da minha suspeita de que meu
grau havia aumentado e de que tudo o que eu precisava era de uma receita
atualizada para comprar lentes. Difícil foi entender o que ela disse: não sei
se ela explicou que é normal ainda na minha idade ter aumento de grau ou se era
que a diminuição do grau poderia gerar desconforto na visão também. Só sei que
foi hilário ficar chorando ao fazer o esforço de acompanhar com os olhos uma luzinha
chata em vez de olhar em direção à orelha da médica, como era a orientação! Ler as letras e os números foi fácil, difícil
foi entender que, neste país das regras, ela não podia me dar uma receita pra
lentes e sim pra óculos. Quem faz a validação da receita pra lentes é a ótica e
bastava, portanto, eu ir até a ótica mais próxima!
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