terça-feira, 4 de dezembro de 2012

rabugenta


A Alemanha é admirada pela sua organização, na qual tudo funciona bem. Trata-se de um desses estereótipos que tem lá sua verdade mas que volta e meia nos frustram. Fiquei até envergonhada com a quebra do ideal quando as últimas visitas estiveram aqui: tinha bonde atrasando, mendigo pedindo dinheiro, homem dando cantada, e até trem quebrando!! Nesse momento, estou é achando a Alemanha um grande exemplo de caos e burocracia kafkaniana. A última foi a saga do correio: depois da maratona pra finalmente receber, desvendar e conseguir preencher um documento pro estágio, desejado desde antes de eu vir pra Europa, fui às pressas ao correio, numa caminhada de 15 minutos na agradável temperatura de 3 graus, pra mandar o raio do papel. Perguntei se havia alguma modalidade de envio mais rápida para a França, mas a alemã, como sempre muito econômica, disse que era muito caro. Ela falou que o prazo era de 5 dias, e, fiz as contas, daria tudo certo pra próxima etapa da maratona (receber documento assinado pela clínica, encaminhar pra professora, pra responsável pelos estágios, pra secretária do doutorado, pro reitor e pra Deus), fase que tem que terminar entre natal e ano novo, um período óoootimo para a burocracia andar. Enfim, primeira missão cumprida, não é que o documento voltou pra minha casa no sábado, com um aviso do correio de que havia selos insuficientes?!  Oras, eu tinha postado o raio do envelope através no próprio correio, depois de encarar fila e esperar a retardada da funcionária esclarecer com a colega todas as suas mil dúvidas sobre como mandar uma carta pra França! O pior é que eu tinha pagado o valor do envio internacional, a anta é que não colocou um selo. Me corroí de raiva ao perceber que não chegaria em tempo se eu postasse de novo na segunda e ao descobrir que o único correio aberto no sábado à tarde era o de um shopping em Karlsruhe, me obrigando a encarar 40 minutos de viagem até lá; dessa vez pelo menos num friozinho de 4 graus. Pois chego eu no endereço indicado na página do correio na internet e se trata de um balcão de assinatura de tv a cabo! Ok, eles também despachavam envelopes: cobravam a remessa lá e esperavam o correio vir buscar... na SEGUNDA-FEIRA! Genial, pedi pra postar com urgência, dane-se o preço. Mas esta modalidade ele só tinha para pacote, não pra envelope. Então o funcionário, super gentil, embrulhou meu envelope inteiro com uma fita de pacote e, apesar de ultra tosco e dele não saber se devia me cobrar o valor integral ou subtrair o valor do selo que já estava no envelope, disse que “com ele não tinha erro”. Tive vontade de ir lá rogar uma praga de azar sexual eterno quando o maldito envelope me aparecer de volta em casa na quarta à noite!! Fiquei louca! Carreguei o Marco pra ir comigo na central dos correios reclamar, pois minha experiência de tentativa de queixa no correio aqui da roça tinha sido traumática (depois de passar vergonha ao ter dificuldade de explicar no meu alemão sofrido, diante da fila-público, que o-envelope-que-ela-tinha-mandado-voltou-com-a-informação-de-que-não-havia-selos-suficientes-mas-que-eu-tinha-pagado-o valor-certo-e que- eu-perdi-o-meu-sábado-no-frio -por-causa-disso, ela cagou baldes, me olhando com cara de “não estou entendendo”.) Bom, após uma fila monstra no correio central e a explicação do absurdo para a funcionária, a imbecil diz que não podia fazer nada pois "não tinha sido erro dela"! E depois de muitos argumentos ignorados, terminamos dizendo que ela, como funcionária, representava o correio, ao que ela respondeu, no radicalismo da lógica alemã de "cada um por si",  que, não, de forma alguma! E pra piorar, não quis mandar meu envelope nem eu pagando de novo, pois "estava muito velho"! 
Hoje liguei pela 17ª vez pro curso de alemão que quero fazer e, finalmente atendida, soube que sou obrigada a fazer uma prova de nivelamento pra definir em que curso devo me matricular e que, não, não posso simplesmente experimentar uma aula, mesmo sabendo muito bem em qual nível parei de estudar. Tive que ligar mais várias vezes pra confirmar que o teste não era pago. Cumpri o script e fui lá fazer a prova em vez de começar logo o curso, e ganhei de presente 7 graus, bem melhor! Chegando lá tinha que esperar atendimento, no qual se preenchia uma ficha para ficar na fila para fazer a prova. Prova feita, devia-se esperar a correção para conversar com um professor pra ele te perguntar em que nível você quer ficar!! E tinha que pagar o raio da prova sim, inacreditável. E não adianta nada dizer que ligou de manhã e falou com a atendente que disse que não tinha que pagar.
Tem também a novela dos contratos, nos quais não é preciso assinar nada para se prender a um serviço em que se é obrigado a pagar por 2 anos, sem possibilidade de cancelamento, mesmo quando as condições apresentadas por um vendedor não condizem com o serviço prestado e os atendentes de um número para o qual a ligação custa 1 euro por minuto dizem cada hora uma coisa. Papo de você ter um plano de internet que custa 20 euros por mês e ser cobrado em 25 euros cada mês. Aí você liga e gasta 4 euros pra ser atendido e a pessoa informa que os 5 euros a mais é porque você tem direito a telefone fixo também (só nos faltava o aparelho!) Comprado o aparelho, descobre-se que não se sabe como fazer funcionar o telefone e paga-se de novo uma longa ligação pra ouvir do atendente que não, não há telefone fixo no nosso contrato! E depois de dezenas de outras chateações com a internet, a gota d´água foi a cobrança de um modem que não sabíamos ter que pagar. Tentar cancelar é roubada, eles te processam por interromper o contrato antes da hora.
E só para completar o meu desfile de chatices nesse post tão ruim que ninguém vai ler, mas que tem a função de botar pra fora minha frustração com a tal organização alemã: mesmo aqui na roça, mesmo sendo um prediozinho de 3 andares, o governo subsidia reforma para acesso a cadeirante e para uso de energia solar. Bacana pra caramba, ainda mais quando vemos aqueles prédios sendo construídos, guindastes até pra botar uma janela numa casa de apenas um andar, tecnologia altamente avançada, tijolos enormes que isolam o frio e fazem circular o ar no calor, pouquíssimos funcionários e uma casa que brota em 2 meses, tudo lindo! Apesar da chatíssima reunião de “condomínio” (são 3 apartamentos) pra decidir se queríamos venezianas que abrem e fecham girando a manivela ou puxando a corda pra cima ou pra baixo, me senti super respeitada com a democracia da decisão (poxa, a gente vai ficar tão pouco aqui e nossas preferências estão sendo ouvidas e acolhidas!) e com a loooonga explicação sobre cronograma e como tudo ia funcionar. Bom, não cabe enumerar a sucessão de absurdos que tem sido essa obra, que cimenta o vidro lindo que iluminava o interior do prédio e troca portas de madeira por portas de metal cinza que mais parecem naves especiais (contextualiza que estamos numa ruazinha, no meio do nada, chamada “Floresta Negra”!), além de deixar há 6 meses uma sujeira permanente, isso sem mencionar o barulho. Mas só pra terminar o desabafo: a primeira surpresinha foi quando voltamos de viagem, isso em agosto, com os sogros, que iam finalmente conhecer nossa casita linda, e havia um caos instalado! Os operários pegaram a chave com a vizinha e, durante nossa ausência, remontaram as janelas, que, além de ficarem horríveis, deixaram um lastro de poeira na casa toda.  Quatro meses sem esquadrias nas janelas (horrível) se passaram e hoje voltaram a colocá-las, depois de 25 agendamentos, esperas e estadas em casa pra receber pedreiros que não vinham. Foi assim: hoje, sem que se esperasse, vieram logo dois caras. Marco foi abrir a porta, às 8h da manhã, como de costume. E estou eu ainda transitando do mundo onírico pro mundo dos acordados, quando entra um homem no quarto, cuja porta estava fechada, sem nem bater! Sim, bom dia!
Ah, exemplo mesmo da organização alemã é a caixa do supermercado. Não importa qual mercado e em que lugar da Alemanha, elas são incríveis! Você colocou seus produtos na esteira e, ainda não conseguiu abrir a bolsa pra tirar a carteira e ela já passou tudo (pode ser grandes compras do mês!) e já está te olhando repreendedora porque você ainda não guardou tudo nas suas sacolas de compras que você levou de casa (você não conseguiu nem começar a guardar e ela já começa a passar as compras do outro, que rapidamente se misturam com as suas). Uma loucura! Morro de medo de ir ao mercado. Fico tão nervosa de lerdar, que nunca achava a carteira em tempo! Agora já estou esperta: vou pra fila com a carteira na mão e as sacolas a postos, pra correr pra ponta do caixa e tentar botar tudo dentro o quanto antes, isso tudo tremendo! Bem que essas caixas podiam trabalhar no correio ou na obra aqui de casa...

terça-feira, 27 de novembro de 2012

mais um daqueles mails

lindos do meu Brasil,
descobri uma enorme desvantagem em receber visitas queridas e em viajar por aí: quando acaba a farra eu fico péssima!! Estou assim, com o coração partido, vazia e desterritorializada com a despedida da Manu e de amigas queridas que foram o melhor presente de aniversário! E agora que o inverno se aproxima, que os dias são curtíssimos, que eu tenho que encarar um início de doutorado pro qual não estou nem um pouco empolgada, tudo parece meio melancólico.
Mas, dramas à parte, não posso reclamar da vida. Tenho aproveitado muitíssimo esse tempo cá nessas bandas. Já viajei mais do que minha megalomania poderia supor e tem mais por vir (engraçado como passar o ano novo em Paris se tornou algo meio banal. Ai, desculpa, gente, eu tô muito nojenta!!). Vêm mais visitas aí e já é natal na leadermagazine. Depois começo o tão esperado estágio em La Borde e, pronto, já será reta final pra volta!! O plano é correr pro abraço do cristo redentor em setembro do ano que vem, mas certo mesmo, não temos nada. Só que o Marco tá bombando, com mil concertos marcados, fazendo um super sucesso e, naturalmente, amando essa vida alemã. E, ao mesmo tempo que eu não quero ser a estraga-prazeres e que é uma alegria enorme acompanhá-lo nessa conquista tão legal, minha licença vence em outubro do ano que vem, renovar é difícil e eu não aguento mais ser uma pessoa inútil!! Até meu empreguinho de faxineira rodou (minha "pratoa" disse que era férias demais pra ela, haha!!)
Bem verdade que tem um monte de coisas chatas pra resolver e vida acadêmica pra tocar, mas isso de não ter muito horário certo pra nada dá uma preguiça... No momento tenho me ocupado com artigos pra publicar, já que o sentimento de inutilidade gera uma necessidade de existir ao menos virtualmente, mesmo que seja escrevendo alguma coisa que ninguém vai ler. Aliás,justamente por isso, estou numa ambivalência enorme: num ato de abusada ousadia, mandei minha dissertação pra uma editora e... eles aceitaram publicar!! Mas... desde que eu pague uma parte dos exemplares, rá!! Aí fico eu sem saber se é jogada comercial, se a renda deles se reduz a pobres autores pagando pelo privilégio medíocre de escrever um livrinho na vida só pra completar os mandamentos "escrever um livro, plantar uma árvore e ter um filho" (aimeusdeusu, eu só plantei uma árvore e já estou com 32 anos!!!). Ou se de fato o troço é publicável, mas, tadinha de mim, não é comercial, como eles disseram. Afinal, quem quer ler sobre pobreza?! Pra além da dúvida de se vale ou não investir esses cerca de 2 mil reais pra ficar faltando só ter um filho de verdade depois, fico sem saber se tenho coragem de dividir essa cria intelectual com o mundo (rss, até parece que o "mundo" vai ler!! Mas, vocês, vítimas de um possível lançamento de um improvável livro, podem resolver um dia ler e, mesmo que seja um parágrafo, morro de vergonha de não estar bom!!) Bom, quem não tem mais com o que se preocupar, arruma sarna pra se coçar...
Ah, mas assunto muito mais legal, é viagem, alimento pra alma. Dessa vez rolou até de desbravar um outro continente! Estivemos no Marrocos e, realmente, é um mundo à parte. Só pra finalizar esse e-mail pedante, uma historinha pra dar uma pequena ilustrada do que é a cultura da negociação de tudo: chegamos no aeroporto (quatro mulheres!) meio perdidas e sem saber direito qual era a da parada. Tínhamos reservado um transfer pra ir até o albergue, justamente porque não sabíamos o que seria de nós no contexto chegar na África, num país extremamente machista e radical (enfim, não é bem assim como pinta o estereótipo). E tínhamos também combinado de encontrar um amigo de um guia super indicado para nos levar ao deserto, que iria nos entregar as passagens de ônibus para a tal viagem. Bom, o cara se aproxima propondo sairmos do aeroporto para "tomar um negócio" com ele lá fora! E insiste que não precisaríamos de transfer que ele nos levaria ao albergue! Eu, que logo depois me acostumei a sentar, tomar litros de chá e conversar durante horas até chegar num comum acordo de preço para comprar um brinco, uma sandália ou 10 gr de açafrão (!!), ainda não tinha sacado que o " ir lá fora tomar algo" era só parte da negociação e logo deixei o homem ofendido ao errar duplamente: disse que não ia lá fora e disse que não pegaríamos carona pois já tínhamos pago um transfer (aiaiaiai, quem disse que pode mencionar dinheiro antes da hora?!) Levei um baita de um fora e as meninas que foram encarar a negociação simplesmente receberam a proposta de, pela bagatela do mesmo preço da passagem de ônibus, pegar uma carona com o amigo do tio do cunhado do vizinho dele pro deserto, a 700 km de distância!!! Obviamente recusamos a proposta irrecusável e quase saiu briga entre ele e o motorista do transfer, esse já irritadíssimo com a gente, dizendo que não ia esperar nem mais um segundo e indo numa batida difícil de acompanhar pro estacionamento... Bom, nesse mesmo dia nos perdemos 984 vezes na medina de Marraqueche, sem poder aceitar informação dos 25 homens que nos abordavam desesperadamente para nos levar, desviando o tempo todo de motos, cavalos, carros, pedestres, carroças, carnes podres cheias de mosca (à venda!!) etc. Mas logo entendemos como as coisas funcionavam e aproveitamos muito, com direito a um espetáculo de estrelas cadentes na noite no deserto e um meteoro que cruzou a lua numa cena tão emocionante que achei que, de fato, era o fim do mundo. 
É, somos muito pequenos nesse mundão... há muito o que conhecer e aprender e, quanto mais se o faz, menor e mais sem lugar nos sentimos. Mas é uma delícia, assim como o é escrever pra vocês, o que me faz sentir situada e cheia de calor brasileiro!
Um beijo enorme,
Maria

domingo, 5 de agosto de 2012

melancia


Você percebe que está europeia quando vê um potinho com melancia cortada por 3 euros e compra sem pestanejar, se achando a maior sortuda do mundo!

quarta-feira, 11 de julho de 2012

O “monstro” e a “justiceira”


(originalmente publicado no blog Excluídos Urbanos - http://exurbanos.blogspot.com.br/)

Já faz tempo, ainda mais pra nossa memória curta e ocupada com um excesso de informações tão avassalador que é inassimilável. Mas a história de um menino inteiramente desprovido de tudo, massacrado por uma “repórter” num desses programas sensacionalistas baratos não me passou batida, como também não passou a tanta gente que comentou na época, nas redes sociais que tornaram visível esse rapaz invisível. (Só não escrevi antes porque toda a minha capacidade de escrita estava sendo ocupada pela minha dissertação de mestrado).
Pra quem não acompanhou na época, trata-se de uma suposta jornalista que se arvora a justiceira, condenando, ironizando e humilhando um rapaz detido por roubo e suspeito de estupro (http://www.youtube.com/watch?v=F6VCbJHtzdc). A cena dantesca traz vários questionamentos: sobre esse tipo de programa, que fere às finalidades educativas e culturais da concessão pública televisiva; sobre o papel da mídia na nossa cultura da desigualdade e da criminalização da pobreza; sobre a questão ética da suposta repórter; ou a interrogação quanto ao acesso que esses programas têm às delegacias e aos detidos. Mas o que é interessante é que esse rapaz, ao ser cruelmente desprezado pela entrevistadora, paradoxalmente sai de sua invisibilidade e vira tema de discussão nas redes sociais. O garoto, negro, algemado, desdentado e com um hematoma no rosto, vira centro das atenções, provavelmente pela primeira vez na vida, sob luz, câmera e um microfone perverso, a partir da ira da loira defensora dos bons costumes e do bom português.
Não são nada grandes as chances de cruzar a fronteira da exclusão. Paulo Sérgio, que nunca teve pão, curiosamente conseguiu deixar o anonimato, virando circo, a partir de seu crime. E foi assim, por acaso, que entrou no enquadre da Justiça, da qual tanto os miseráveis quanto os abastados são exceção. Ele agora tem a seu favor um processo de danos morais, além da possibilidade de responder ao seu delito dentro dos trâmites legais, em vez de ser mais um invisível esquecido no sistema prisional. Paulo Sérgio, que é analfabeto, tem seis irmãos e vive nas ruas desde criança, era um fora-da-lei, pois sem direitos e sem deveres. Era um marginal não só no sentido de quem comete um crime, mas de quem vive à margem, fora da Lei, porque fora do pacto social, daquilo que é compartilhado.
O excluído é invisível. Olha-se pro lado oposto, evitando-se a pobreza, pra não se entrar em contato com algo do horror, do estranho, do outro, que, defensivamente, deve ser negado. O estranho, o bárbaro, vira inimigo, que deve e merece ser açoitado em horário nobre. O marginal é a causa da tão temida violência que precisa ser fortemente combatida, evitando-se a invasão do de fora da margem com muros, grades, controles de segurança!
Pois infelizmente parece que é justamente só através da violência que esses invisíveis ganham algum olhar, nem que seja este do temor e do horror. Ser marginal, agora como aquele que rouba ou fere os bons costumes, é uma solução identitária para quem nunca foi visto, é uma resposta à falta de pertencimento, ou justamente um reflexo deste lugar, ou não-lugar social, à margem, que tantos meninos como Paulo Sérgio ocupam.
A possibilidade de reconhecimento é condição fundamental para uma existência que reduza a miséria, não só a social, mas a miséria da alma, que é algo comum a todos nós, que nascemos desamparados. Tomara que Paulo Sérgio possa se manter reconhecido e, a partir disso, possa começar a contar sua própria historia, deixando de ser para nós apenas um representante de tantos excluídos.
Quando olho sou visto, logo existo.
Agora tenho como olhar e ver.
Agora olho com criatividade (…).
(Winnicott, 1994, p. 157)

referências:
Bastos, L.A. “ Caminho para as Índias: trauma, compulsão e repetição.” XXII Congresso Brasileiro de Psicanálise. 29 avril - 2 mai 2009. Rio de Janeiro, 2009.
__________. “Exclusão social: aspectos traumáticos da violência contemporânea.” Revista Brasileira de Psicanálise, 2006: 57-60.
REIS, E. “Doces e amargos bárbaros.” Polêmica, abril 2012, Disponível em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/polemica/article/view/2985/2132.
Viñar, M. “Qué puede decir un psicoanalista sobre exclusión social?” Rio, que cidade é essa? . Rio de Janeiro: SBPRJ, 26 octobre 2007.
Winnicott, D.W. A comunicação entre o bebê e a mãe e entre a mãe e o bebê: convergências e divergências”. Os bebês e suas mães. São Paulo: Martins Fontes, 1994. 

terça-feira, 12 de junho de 2012

mestra!


missão cumprida, há 4 horas atrás eu, recém mestra, estava quicando, “querendo dançar Macarena” (Duarte, 2012!) na escadaria da universidade! Foi uma aflição não ter pra quem correr pro abraço, pois meus numerosíssimos amigos (duas!) de Strasbourg não estavam lá e a defesa infelizmente é fechada. Então, depois de ter que dar conta sozinha da sensação de não caber em mim mesma, a coisa maníaca do quente da hora foi passando ao longo das minhas demoradas conexões de trem na viagem de 3 horas de volta pra casa e eu já não sei se sou capaz de contar de maneira fiel o que rolou naquela salinha, entre euzinha, minha orientadora e o professor que aqui eles chamam de júri. Caramba, foi muito bacana!! Apesar de uma cultura, que talvez seja mais mito que qualquer coisa, dos professores pegarem pesado na defesa e fazerem todo um jogo pra testar sua capacidade de se defender de fato, eles foram só elogios! A crítica de um foi que eu atrapalhei o trabalho dele de ter que criticar, pois não havia muito o que dizer quanto a isso! No momento estou muito metida pra contar de forma mais humilde que rolou papo de que o meu trabalho era de nível de um doutorado, que é preciso continuar, que o texto está tão bom e fluido que os dois leram de uma enfiada só, que é um trabalho muito pertinente, inédito e ao mesmo tempo autoral, que precisa ser compartilhado, que ensina muita coisa pros franceses e que até o francês está bom! Enfim, tô mega feliz, rindo daquele início, registrado aqui, em que me sentia absolutamente incapaz de me expressar, e minha crença, ao longo de grande parte do processo, de que seria impossível concluir esse mestrado, ainda mais em um ano. Nossa, não tem muito tempo que quando me pegava às voltas com a descoberta de uma nova exigência nessa loucura de ter que desvendar praticamente sozinha o estranho funcionamento de um mestrado em outro país e em outra língua, eu pensava em desistir. Muitas vezes me perguntei sobre o sentido de investir em um deslocamento diário tão longo (cruzava a fronteira 2 vezes por dia e às vezes passava 6 horas viajando!), de dividir minha vida que acabava não se fixando nem na Alemanha nem na França, do esforço de dar conta de obrigações quase escolares numa lógica acadêmica à qual eu tenho tantas críticas, da dificuldade de lidar com duas línguas estrangeiras ao mesmo tempo. Na verdade, eu, de fato, não considerava a hipótese de escrever a dissertação em francês. Lembro que acreditava profundamente que precisaria escrever em português e mandar traduzir. E não é que não só a bichinha nasceu em francês mas ficou bonita?! E agora, ironicamente, parece que me cabe fazer um doutorado! E eu achava que não dava pra coisa acadêmica... Confesso que parir essa dissertação, apesar de todo o sofrimento, foi tão bacana pra mim que eu já vinha pensando nisso. Mas depois dessa “indicação obrigatória”, em que os professores disseram que eu preciso compartilhar meu trabalho, e de toda a afirmação na dissertação da dimensão da narrativa, da troca, da importância de simbolizar e de elaborar, acho que preciso pensar seriamente nesse projeto. Mas, e a minha tão sonhada volta pela Europa?! Bom, pelo visto em vez de férias e de pesquisa de informações turísticas, eu vou é me ocupar de pesquisar bolsa e de como começar um doutorado na França e terminar no Brasil. Se alguém tiver uma dica, é bem-vinda... E feliz dia dos namorados pra você também!

sexta-feira, 23 de março de 2012

aniversário (1 primavera)


Exausta depois de fazer 3 faxinas e uma feijoada, mas hoje não posso deixar de registrar que faz um ano que cheguei nesta terra. E não digo, como sempre se diz, que o tempo voou. Minha impressão predominante é o contrário. Afinal há um ano atrás eu era outra pessoa: tinha uma vida, uma cabeça, um status social, um lugar no mundo e um corpo completamente diferentes! Acho que talvez só na primeira infância eu tenha vivido e aprendido tantas coisas em tão pouco tempo. Como já comentei em outro post, neste ano de todas essas mudanças, aprendi a administrar uma casa, a viver longe de quase tudo o que me dá sentido (e que não por estar longe deixa de dar, ainda bem!), a ser casada, a me comunicar em duas línguas novas, a não ser ninguém neste mundão, a cozinhar, a achar natural cruzar a fronteira de outro país quase todo dia, a fazer faxina e a ser faxineira...  É coisa demais pra passar rápido! E é muita coisa pra um ano também. Comemoro este ano, mais serena e me sentindo menos desterritorializada, com a chegada da primavera, que como tudo aqui é pontualíssima. Impressionante como exatamente no dia 21 ela chegou, com um dia lindo e um calorzinho delicioso, já trazendo flores até pro sofrido gramado da universidade, onde uma multidão de estudantes curtiam o sol e espetavam as flores no cabelo, celebrando a vida ao ar livre! Neste clima de “voltar à vida” após a “hibernação” do inverno e de mudar de estação, encerro este ciclo como a primavera: bem mais alegre e com mais vontade de curtir o sol, de ver gente, de fazer coisas; animada com os planos pro próximo ano, que imagino que ao contrário deste, vai passar muitíssimo rápido. E aí será hora de voltar pro meu Brasil, onde é sempre verão!

quinta-feira, 22 de março de 2012

sobre povos, banheiros e línguas


França e Alemanha fazem fronteira, como todo mundo sabe. Nem todo mundo sabe que a Alsácia já pertenceu à Alemanha mais de uma vez e dizem que é um pedaço da França completamente diferente por conta da forte influência da cultura alemã. Isso é notável em vários elementos cotidianos: na paisagem, com casas em arquitetura enxaimel; na culinária, onde só muda o nome, mas o prato típico é o chucrute; na abundância de Brasseries – algo entre bar e restaurante, onde se toma cerveja e não vinho, exatamente como os Biergartens alemães; nos nomes das ruas, que ou são em alemão ou ganharam versões francesas por associação com o nome alemão original (os nomes das ruas em Strasbourg dão um post à parte, pois há várias histórias engraçadas, como a da rua do veado, que ganhou esse nome porque lá morava na Idade Média a família Calba, o que fez que, ao mudar pro francês, o nome fosse atribuído a Kalb, que significa veado em alemão). Mas, apesar das semelhanças, eu que troquei minhas lentes há pouco e ando com os olhos bem abertos, com sede de tudo observar, acho tão diferente que ainda me é uma experiência antropológica esta troca diária de país. A começar pelo povo. Ao contrário do estereótipo, os alemães são incrivelmente mais sorridentes, leves e alegres que os franceses. É interessantíssimo: pego o trem de manhã cedo com um bando de gente conversando animadamente, se chamando, e falando tão alto que muitas vezes fica difícil estudar. Ao chegar à França, apesar de já não ser tão cedo assim, encontro pessoas cabisbaixas e olhando pro chão no bonde, cada uma com seu fone de ouvido, não há troca. Por outro lado, a “interação” rola muito mais na hora de abrir uma porta, mandar um “pardon”ou “excusez-moi”. Apesar do mau-humor típico, os franceses seguram a porta pra você o tempo que for preciso se você está dentro do campo de visão de quem está abrindo uma porta. Super irritados, mas não deixam de fazê-lo! E é um tal de “merci” e “je vous en prie” que não acaba mais! Elegantíssimos os franceses. Os alemães não, são quase brutos (inclusive no jeito de se vestir, de andar, de falar), diretos, sem rodeios ou palavrinhas educadas. Mas, em geral, no fundo são mais solícitos e amigáveis que os franceses e não perdem jamais uma tentativa de piada, por mais que não haja aonde enfiar a graça! Por outro lado, também são capazes de deixar uma porta bater na sua cara e jamais cederiam o lugar pra um velhinho ou uma mãe com bebê. Bom, pra isso, bastaria elas pedirem, aí não faltaria ajuda! Se a cultura é da independência, por outro lado, o senso do coletivo é fortíssimo. Percebe-se isso em vários aspectos da organização cotidiana, vide a separação de lixo exemplar (são 7 classes de lixo e todos respeitam isso!). Não há lixo no chão, embora praticamente não haja garis. Mas esse coletivo tem o preço do denuncismo. Dizem que o alemão adora reclamar do outro que fez algo fora da norma comum. Isso fica visível no trânsito, que é impecável, mas rola uma buzinada séria não pra alertar, mas pra reclamar de alguma barberagem! Já na França é “permitido” atravessar em qualquer lugar, correndo-se o risco de ser atropelado por uma bicicleta, esta prioridade máxima. Se rolar algum incidente, todos pedem desculpa, não se aponta o culpado. É cada um no seu quadrado. Falando em quadrado, e os banheiros? Tem semelhanças: em ambos os países costumam ser surpreendentemente limpos (tem sempre papel higiênico – inclusive na faculdade de psicologia! – e a tal escovinha pra você próprio limpar qualquer marca que o seu número 2 possa ter deixado!!), mas na França tem o faxineiro pra limpar e na Alemanha, quando existe algum funcionário, ele fica sentadinho na porta e pega muito mal não dar uma moeda depois de feita a necessidade. Outra coisa interessante é que na França os banheiros mistos não são incomuns. O Laerte é que ia gostar! Aliás, falando em merda, na Alemanha a marca do nazismo ainda é muito presente. Há de se silenciar sobre muitas coisas. Não se ouve, por exemplo, queixas ou manifestações quanto à política de imigração. É claro que rola preconceito, mas não se fala nisso. Mesmo quando o mal-estar é legítimo, como com as gangues de russos numa cidade próxima da nossa roça, a queixa é um sussurro, cheio de rodeios e pedidos de desculpa. Neste ponto os alemães são mais franceses: discretos e elegantes. Já os franceses são alemães em relação aos imigrantes, pois discutem abertamente a política de imigração, cuja dureza é plataforma política explícita de alguns dos candidatos à presidência que vai ser decidida agora. O debate sobre o preconceito e a desigualdade com os imigrantes e seus descendentes é até tema de aula do mestrado. Na Alemanha, só se fala disso entre quatro paredes. Por falar em falar, é interessante que embora o francês seja muito mais familiar e fácil que o alemão, tenho uma dificuldade muito maior de me sentir à vontade falando-o. Acho que é porque a formalidade da cultura francesa atinge também a língua, e tudo o que se diz, há de se dizer com muita propriedade e com as palavras certas, tendo que se ser capaz de explicar e embasar muito bem o que se diz. Já o alemão, não tenho nenhuma cerimônia de falar errado e limitadamente! Falo de um jeito capenga mesmo, complementando com o inglês quando preciso e ninguém me olha de cara feia! Não sinto na pele o tão falado preconceito, do qual tantos se queixam. Bom, eu também não sou parâmetro, com essa cara de européia que podia estar ilegal aqui há anos que ninguém ia desconfiar. Bem verdade que volta e meia tem um controle tenso da polícia no trem que cruza a fronteira. Sempre com homens árabes, sempre. Mas, fora isso, não vejo manifestações xenofóbicas.  Esta é uma coisa interessante e comum tanto na Alemanha quanto na França: é uma multiculturalidade enorme, são muitos os estrangeiros de todas as origens, o povo está acostumado a lidar com gente de fora. Talvez isso faça com que eu me sinta extremamente à vontade nos dois países, que hoje já me são tão caros. 

quinta-feira, 15 de março de 2012

oftalmologista


dissertação, artigo e trabalhos pra escrever. Mas bom mesmo é escrever no blog.

Nosso plano de saúde vence em 15 dias, então hoje fui ao médico pela primeira vez aqui nesta terra esquisita. Oftalmologista. Virei uma pessoa dependente que precisa de marido até pra marcar um raio de médico. Acontece que o marido marcou pra um horário ruim. Desafiei meu alemão precário e bem liguei pro consultório, pedindo pra ir hoje: “Augenartzpraxis, klinisssshhh rarsh errish larchhh Doktor rashhhhhhrrrressssrrrossssssssssshhhhhhhh, Guten Tag” – a secretária proferiu quase 5 minutos de Rs apenas ao atender o telefone e identificar que se tratava de uma clínica oftalmológica. Logo mandei um “Sprechen Sie Englisch?” Não, ela disse que o Englisch dela era “schlecht”. Então disse que o meu alemão também era e milagrosamente consegui explicar pra ela que tinha consulta pra amanhã mas que gostaria de ir hoje. Super gentil, ela me disse que eu poderia ir e mais um monte de outras coisas que não entendi! Desliguei explicando que não tinha entendido nada além da parte de que eu podia ir, então que estava chegando lá. No caminho, um egípcio, pra quem pedi informação resolveu me levar lá. Estava tão decidido a ir até o médico comigo que até me pediu pra esperar um pouco pra ele ir ao banco. Argumentei que já estávamos na rua certa, que ele já tinha sido muito gentil e que agora, procurar o número era fácil, mas ele insistiu que voltava logo. Fiquei meio desconfiada, mas obedeci. Chegando à porta da clínica, tive que dispensar o simpático, que parecia querer subir comigo e participar da consulta. Custei a desvendar qual das 58 placas na entrada era referente à clínica que eu procurava para identificar o andar (os endereços aqui nunca incluem o apartamento ou a sala. É preciso ver pelos sobrenomes, escritos no térreo). Acontece que o sobrenome da médica que eu procurava constava lá como homeopata e não como oftalmologista. Chegando, toquei a campanhia e esperei longamente. Toquei de novo e nada. Até que chegaram duas senhoras que imediatamente empurraram a porta e entraram. Ri, dizendo que não sabia que era só entrar, mas ninguém mais riu. A secretária estava altamente enrolada, digitando ferozmente algo no computador e xingando cada telefonema que tocava fazendo sons diferentes na recepção (um deles era uma musiquinha irritante). Até que veio outra secretária, simpática, que felizmente falava um pouco de inglês. Logo quis ficar com meus óculos e tive que explicar que não era possível, pois sem eles não conseguiria chegar nem à cadeira da sala de espera. Perguntou de onde eu era, sorrindo quando respondi, e logo em seguida perguntando também se eu ia pagar (!) Mostrei-lhe o papel do plano de saúde, que ela olhou estranhamente, como se não conhecesse. Perguntei se não aceitava tal plano e ela foi incisiva: “claro, natürlich”; eu hein! Em seguida me chamou na sala de espera com uma pronúncia que não poderia identificar que se tratasse do meu sobrenome (aqui não existe chamar ninguém pelo primeiro nome). E olha que meu sobrenome é alemão! Falou mais alto e mudou a pronúncia, aí sim me identifiquei e ela riu. Voltei pro balcão de recepção e o telefone continuava agitado. A secretária gargalhava com a outra, dizendo à pessoa que tinha ligado que ela podia ir ao salão, mas que se fosse lavar o cabelo, não podia molhar os olhos. “Não, maquiagem deve evitar na área dos olhos”, “sim, pode vir a pé para o médico, não tem problema caminhar” e por fim: “então faz o seguinte, senhora: fica com o dia livre amanhã, vai pro seu salão, aproveita seu fim de semana e vem fazer a cirurgia só na segunda”. A outra chorava de rir, fazendo gestos de como ela lavaria o cabelo sem molhar os olhos e como se maquiaria. A própria secretária foi fazer meu exame de vista. Dizem que aqui na Alemanha é assim – o médico só chega no fim pra carimbar e assinar o trabalho dos enfermeiros. Em 1 minuto a maquininha disse, sem eu precisar ficar cantando letras e números cada vez menores, meu grau. Acontece que surgiu um número abaixo do da minha lente atual, com a qual enxergo cada vez pior. Expliquei-lhe que, apesar de eu estar velha pra essas coisas, minha pele e minha vista funcionam como as de uma adolescente e que eu tinha certeza de que meu grau tinha aumentado em relação ao meu último exame embora o grau que ela tivesse encontrado fosse abaixo do que uso atualmente. Ela estranhou, mas disse que ia conversar com a médica. Aí perguntou pra outra secretária se a médica falava inglês e se mostrou preocupada de ouvir que não. Achei então que ela explicaria previamente a situação, mas eis que depois de mais uma longa espera, quando a tal médica me chama, não sabia do que se tratava o meu "caso", além de não falar nem inglês, nem francês e nem um alemão claro, pois ela também é estrangeira e tem um alemão carregado na pronúncia! (aqui grande parte dos médicos é estrangeira, pois curiosamente não é um bom salário e os alemães acabam raramente fazendo medicina). Chuto que ela era romena, só sei que os milhares de Rs do alemão eram ditos por ela com a língua no céu da boca, em vez do R forte, como os nossos 2 Rs. Bom, acho até que fui bem ao explicar novamente toda  novela da minha suspeita de que meu grau havia aumentado e de que tudo o que eu precisava era de uma receita atualizada para comprar lentes. Difícil foi entender o que ela disse: não sei se ela explicou que é normal ainda na minha idade ter aumento de grau ou se era que a diminuição do grau poderia gerar desconforto na visão também. Só sei que foi hilário ficar chorando ao fazer o esforço de acompanhar com os olhos uma luzinha chata em vez de olhar em direção à orelha da médica, como era a orientação!  Ler as letras e os números foi fácil, difícil foi entender que, neste país das regras, ela não podia me dar uma receita pra lentes e sim pra óculos. Quem faz a validação da receita pra lentes é a ótica e bastava, portanto, eu ir até a ótica mais próxima!

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

meu querido diário

esta é uma anotação de umas semanas atrás, que fiquei sem-graça de expor aqui. Aí aconteceu o que sempre acontece depois dos meus e-mails: com as respostas estimulantes eu perco a vergonha  e venho aqui me exibir pro mundo. Bom, voilà:



Sempre fui boa em dar sentido à vida. Lembro, eu ainda pequena, da minha mãe dizendo que eu era íntegra. Memória pelo menos parcialmente fantasiada, talvez, pois a resposta da qual lembro não é o que me parece definir integridade exatamente, mas mais essa minha característica: “É você entrar nas coisas por inteiro, se engajar”. Bom, pode ser isso mesmo, pois integridade não deixa de sê-lo e deve vir daí mesmo, de inteiro. Pois desde que meu senso auto-reflexivo se entende por gente, me sinto sortuda por uma boa cota de pulsão de vida que constitui minha natureza. De fato, costumo gostar, me envolver e fazer bem o que quer que eu faça. Faço laços facilmente vida afora. E eles me preenchem enormemente: família, trabalho, amigos, amor... Paradoxalmente, sinto-me, tantas vezes, também muito vazia. E se tenho o lado aberto, alegre e receptiva ao laço com o outro, sou ao mesmo tempo muito fechada, muito acomodada em mim-mesma.
Essa experiência de viver fora naturalmente ressalta essas características. É incrível como os dois lados da moeda me são intensos aqui: o enorme sentido de viver essa experiência riquíssima e o total vazio de estar aqui, tão longe de tudo que me dá sentido. São inúmeros os pontos favoráveis ao que viver aqui tem de enormemente construtivo: conhecer outras culturas, experimentar uma vida completamente diferente, estreitar profundamente meus laços com o Marco, aprender e curtir cuidar de uma casa (o que se desdobrou em cuidar também de outras), poder viajar muito pra vários países, aprender outras duas línguas, estudar, ter tempo livre, viver um outro ritmo. Mas estar longe de todos e do meu lugar social é também muitíssimo vazio. Aqui não sou ninguém, ninguém me conhece, não trabalho em nada relevante, não construí uma história, não tenho uma trajetória. E poderia fazer isso tudo, não facilmente, é claro, mas não tenho vontade. Estou absolutamente acomodada, recolhida, de férias. Dei-me conta do quanto não busco construir aqui as coisas que me dão sentido, do quanto vivo numa certa provisoriedade. É exatamente este o meu sentimento – de provisoriedade. E, se ao mesmo tempo, saber que isso é momentâneo me faz suportar estar tão distante de tudo que me constitui, é também o que me impede de buscar estar melhor.
Esses dias caiu esta importante ficha e tive vontade de não estar tão acomodada neste tempo até então meramente intervalar. A primeira reação foi começar uma dieta, visto que esta perspectiva de estar de férias até de me cuidar me fez engordar muito além dos limites. A idéia de investir mais no mestrado e passar a dar mais sentido à minha pesquisa, à possibilidade de estudar , também foi animadora inicialmente. Acontece que a empolgação não durou nada: o mestrado me é realmente algo quase sem sentido, não fosse a escrita da dissertação. Tá, não é pouca coisa fazer uma pesquisa que tenho vontade de fazer há tanto tempo e que tanto tem a ver com o meu trabalho, pro qual voltarei em breve com essa bagagem. Mas as aulas, a viagem de 5 horas quase que diariamente, e agora ter que encarar o frio polar pra assistir às disciplinas  que me lembram o primeiro período de psicologia é realmente algo que têm muito mais a função de me manter ocupada e sã do que me acrescentar algo, além do aprendizado do francês. Tive o azar enorme de encontrar um departamento em frangalhos, após um racha em que vários professores saíram e outros estão desmotivados e a organização está caótica, além de uma diretora narcisista ao extremo e que acredita que psicanálise é uma ciência dura!
Bom, resta-me investir em outra coisa que me é tão cara: laço social. Mas a verdade é que, pra além de toda a dificuldade de me aventurar nessa empreitada de fazer amigos na Alemanha, fica difícil constituir um lugar estando dividida entre dois países. Além disso, fizemos a escolha, super acertada, ao meu ver, de morar muito isolados, tendo a grande vantagem de ter uma casinha pra lá de especial. Sair não é só difícil pela distância da nossa casa da cidade e das opções de lazer, mas também pela falta de vontade de sair de uma casinha tão linda e gostosa. Então nos acomodamos nós dois, o que também é uma delícia, com nossas sessões de cinema de fim de semana e uma rotina de aulas, faxina, mercado etc. É bem verdade que tem as visitas, os projetos de viagem e tanta coisa ainda por vir.
É, e eu aqui reclamando da vida vazia... Acho que é isso que me mantém bem, que na verdade o buraco de dentro é cercado de tanta coisa boa que ele só se faz notar de vez em quando!

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

neste ovo que é o mundo


Conhecemos um casal brasileiro de musicólogos em uma cidezinha alemã de 88.000 habitantes. Logo no início da boa conversa, em que se identificavam várias coisas em comum, rola o seguinte diálogo:
Marco: ah, vocês são do sul? Conheço um pessoal do violão de lá, etc
Ela: você conhece o livro “A História do Violão”?
Marco: Claro! Do Norton Dudeque!
Ela, apontando pro namorado, como quem está apresentando: Norton Dudeque!


Em seguida, já dentro de uma boate, na mesma pequena cidade, outro diálogo:


um alemão: vocês são brasileiros?! Morei em Niterói um tempo.
Marco: sério? Eu sou de Niterói!
o alemão: que coincidência! Você faz o que?
Marco: sou músico
o alemão: nossa! Eu namorava a filha de uma cantora lá de Niterói, a Sônia Wegenast.
Marco: não brinca! Eu trabalhava com a Sônia!

outro imeiu


Queridos,
Ando querendo escrever, pois o último mail já foi há um tempo e mandar notícias é uma forma de administrar as saudades. Muitos de vocês têm também me cobrado as mensagens “enormes e divertidas”. Mas acontece que depois de um tempo aqui, as coisas deixam de ser novidade e o olhar de estranhamento, em que cada detalhe cotidiano vale ser narrado, vai se habituando.  Se por um lado fica tudo mais sem-graça, por outro, é incrível isso da gente se adaptar a situações as mais variadas e poder construir, desconstruir e reconstruir paradigmas ao longo da vida. Faz parte do processo incorporar os hábitos de uma outra cultura, que no início nos eram tão estranhos, e aí passar a questionar e estranhar padrões da nossa própria cultura, antes tão familiar. O negócio vai ser administrar pra sempre essa marca, que eu suponho que fique, de uma certa desterritorialização. Deve ser análoga a um processo de análise, que é algo que abre os horizontes de uma forma riquíssima, mas que, como me queixou uma amiga de forma muito pertinente uma vez, é irreversível e talvez fosse mais simples viver num campo de visão mais estreito.
Enfim, mó blá-blá-blá pra encher lingüiça, já que não tenho muito pra contar e estou com a capacidade narrativa completamente congelada neste frio polar horroroso! E eu que vinha comemorando um inverno especialmente ameno, em que não tinha nem temperatura negativa nem neve, fui surpreendida com quase 3 semanas de sensação térmica chegando a -20 graus. Bom, eu paniquei, reclamei à beça, fiz drama dizendo que isso não era vida, que seria impossível tocar a minha rotina simples de trocar de trem, andar 10 minutinhos pra pegar um bonde ou ir pro curso de francês. Mas a verdade é que, apesar de ser bem desagradável, não faz tanta diferença assim em relação a uns -5 graus, que suponho que seja uma temperatura normal de inverno europeu. Hoje está -1, finalmente nevando bem, e eu estou surpresa com minha sensação de que está super agradável este “calorzinho”!!
Tô aqui fugindo das notícias mais pragmáticas porque elas são chatíssimas. Eu estou detestando e mestrado e me pergunto repetidamente o que estou fazendo lá. Fui parar num departamento pós-crise, que está ainda se recompondo de um racha onde saíram os professores mais interessantes, parece. A diretora atual é uma vaca arrogante que acredita que psicanálise é ciência exata e que precisamos usar instrumentos tais como testes psicológicos pra “verificar” as nossas hipóteses! Algumas aulas me lembram o primeiro período da faculdade. Mas, foi a possibilidade que rolou de voltar a estudar de forma mais sistemática, acho que é fundamental  me manter ocupada, é uma carta na manga pra volta, tem o bônus da língua e, principalmente, escrever a dissertação é algo que, embora me seja muito sofrido, faz todo o sentido pra mim! Pelo menos tive a sorte de pegar uma orientadora legal e poder pesquisar exatamente o que eu queria. E também é um mestrado-relâmpago este, que termina em menos de 1 ano, e eu já estou na reta final. E depois, é só alegria. Verão, visitas mais que  esperadas, viagens mil, estágio em La Borde!! Então é aproveitar antes que acabe essas “férias prolongadas”, que é o que me parece essa experiência aqui!
Bom, é isso. Quero notícias quentinhas de vocês também.
Beijo enorme

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

bobinha


AMO
Nossa casinha
Não ter violência aqui
As mil possibilidades de viagens
A vida tranqüila

ODEIO
A vida tranqüila
O frio
Não ser ninguém aqui 
A saudade