lindos do meu Brasil,
faz um pouco mais de duas semanas que eu voltei e ando querendo escrever
desde então pra agradecer tanto calor, que me renovou as energias pra encarar
esse inverno brabo (aliás, oficialmente nem é inverno ainda e eu não consigo
imaginar como vou sobreviver, pois mal consigo andar com tanto casaco,meias,
bota, luvas, gorro, cachecol)!
De cara, foi muito esquisito estar aqui de novo, sensação de
desterritorialização, como no inicinho. E o curioso é que isso aconteceu na
minha chegada no Brasil também, pra qual eu estava tão, mas tão empolgada que,
de repente, ao desembarcar no Tom Jobim, ficou tudo estranho-familiar (papo
psicanalítico). Também, depois de voltar a me sentir em casa, esses 17 dias aí
foram um carnaval maravilhoso pra mim!!
Enfim, foi duro voltar, especialmente por conta do frio, que já estava
bem mais cruel do que quando tínhamos saído daqui. Se por um lado, a rotina
exaustiva de ir pro mestrado ficou ainda mais difícil com o frio a ser encarado
nos intervalos intermináveis entre um trem e outro, por outro lado, foi bom
logo estar super ocupada e não ter tempo pra ficar "fazendo o luto"
de ter deixado mais uma vez a pátria amada. E essa ambivalência em relação ao
mestrado permaneceu até hoje: um lado da moeda me permite conhecer e estar numa
cidade incrível (Strasbourg é lindíssima, com seus vários canais e arquitetura
medieval, e ao mesmo tempo super cosmopolita, com mil eventos e gente do mundo
todo e de todos os tipos! Além disso, nesta época as folhas têm oferecido um
espetáculo de cores entre o amarelo e vermelho - dizem que este outono está
especialmente bonito. Sem falar na decoração de natal, que começou nesta
semana, tendo a cidade um dos mais famosos mercados natalinos - algo super
típico aqui); o outro lado é sofrer em aulas intermináveis em que o pouco do
francês que eu entendo me diz que o nível daqui, pra minha triste decepção, é
fraquíssimo!! As aulas me lembram o início da faculdade e, apesar disso, eu me
sinto tendo um retardo mental moderado ao não entender boa parte do que é dito e
fugir das pessoas pra não ter que falar! Sem condições, então, de participar
nas aulas, coisa que eles super fazem (aliás, rola um clima meio infantilizado,
em que todos querem falar, muitos estão com seus notebooks, a maioria anotando
freneticamente cada sílaba do professor! Ocorre que o mestrado aqui é quase uma
continuação obrigatória da graduação, que é muito mais curta que a nossa). É
muito estranho estar de novo neste lugar de iniciante, em que ninguém me
conhece e eu não sou ninguém aqui, apesar da minha trajetória. Embora venha
aprendendo com essa experiência, durante as duas últimas semanas, surgiu várias
vezes a vontade de largar o mestrado, que me parecia só um investimento enorme
- pessoal, financeiro, temporal, físico - sem retorno, pois além de ter a
sensação de que não vou aprender nada, sequer sei se vou conseguir validar o
título no Brasil. Além disso, só pensava que o que eu mais queria fazer era
estar totalmente livre pra viajar e que preciso ganhar dinheiro e, tendo tempo
de sobra, posso me candidatar pra faxinar mais casas (sim, agora sou
faxineira!!) Mas, por outro lado, o estudo, a possibilidade de escrever uma
dissertação, a própria chance de realmente aprender francês, e necessidade de
me manter ocupada de forma mais produtiva no sentido amplo do termo,
justificavam. E nesta semana percebi que meu francês melhorou bastante (também,
ouvindo a tal língua o dia inteiro, fazendo dois cursos e tendo dois Tadem
Partners - que são amiguinhos que te ensinam uma língua em troca de você
ensiná-los a sua): tenho tido coragem de me aproximar das pessoas, já consigo
acompanhar as aulas e descobri que uma delas (uma!) é até interessante! Aí
fiquei bem animada, achando que é isso mesmo, que as coisas levam um tempo pra
se delinear.
Pra além disso, o fato de estar agora adentrando numa outra cultura
(apesar de Strasbourg ser aqui do ladinho e já ter pertencido algumas vezes à
Alemanha, é um novo mergulho antropológico!) me permite novamente exercitar do
zero meu olhar de estrangeira, o que pra mim é o mais rico dessa experiência de
morar fora - você desnaturaliza tudo o que é familiar e aprende um bocado com
as diferenças, incorporando o que é legal na outra cultura, valorizando o que é
bacana na sua, e tendo um olhar mais crítico com o que não presta e você nem
tinha reparado). É engraçado isso de já ter naturalizado coisas que antes
pareciam tão estranhas, como separar o lixo. Isto foi algo que me deu uma dor
de cabeça enorme no início (aqui na Alemanha são 7 tipos de lixo!), mas que
acho que vale como aprendizado pro resto da vida. E cá estou eu achando um
ABSURDO os franceses não separarem lixo, querendo jogar o orgânico em um lugar
diferente da embalagem no restaurante universitário!! Aliás, só pra manter o
hábito dos meus relatórios engraçadinhos sobre as diferenças: os franceses
ADORAM assoar o nariz! Mas é uma coisa tão intensa, que não tem uma aula que
alguém não peça um lenço (na sala, na rua, no bonde, todo mundo está com seu
saquinho de lenços a tiracolo, e na maior parte das vezes assoando nada!) Mas
também quando tem o que assoar, o troço é tão alto que rola um meio minuto sem
ouvir o que o professor está falando (em geral exatamente naquele momento em
que eu finalmente consegui começar a acompanhar alguma coisa e que eu vou levar
outras 2 horas pra retornar ao fio da meada!) Outra mania francesa são os fones
de ouvido - não se vê uma criatura abaixo dos 35 anos na rua sem um mega fone
de ouvido, desses que até parecem protetor de orelha pro frio! E aí no bonde as
músicas se confundem, tão alto que se ouve. Falando em bonde, rola uma burrice
generalizada do povo colar nas portas e não gostar nem um pouco de dar licença
pra quem quer entrar, o que faz com que seja uma guerra pegar um bonde, que
parece mega lotado, mas na verdade está vazio nos corredores! E eu que sempre
tento passar pro corredor, levo umas caras bem feias por ter que pedir licença!
Mas em geral os Strasbourgeoises são super simpáticos e solícitos, sendo tantos
estrangeiros presentes na cidade, que o inglês é quase língua oficial também,
apesar da nossa ideia de que não se fala inglês na França.
Bom, outras coisas são iguaizinhas à Alemanha, como a comida (só muda o
nome!!) e as escovinhas de privadas em todos os banheiros públicos (dos
restaurantes à universidade, você deve limpar a privada com escova que fica
ali, em cada cabine, já com o desinfetante no suporte dela, após fazer o número
2!)
Bom, queridos, já chega de escrever! Tô com feijão no fogo (sábado tem
feijoada pra brasilianada do Instituto Goethe - onde Marco fez o alemão nos
meses inciais). Pois é, tô ficando especialista é em dona de casa, esse tal
mestrado é só um passatempo!