A Alemanha é admirada pela sua organização, na
qual tudo funciona bem. Trata-se de um desses estereótipos que tem lá sua
verdade mas que volta e meia nos frustram. Fiquei até envergonhada com a quebra
do ideal quando as últimas visitas estiveram aqui: tinha bonde atrasando,
mendigo pedindo dinheiro, homem dando cantada, e até trem quebrando!! Nesse
momento, estou é achando a Alemanha um grande exemplo de caos e burocracia
kafkaniana. A última foi a saga do correio: depois da maratona pra finalmente
receber, desvendar e conseguir preencher um documento pro estágio, desejado
desde antes de eu vir pra Europa, fui às pressas ao correio, numa caminhada de
15 minutos na agradável temperatura de 3 graus, pra mandar o raio do papel.
Perguntei se havia alguma modalidade de envio mais rápida para a França, mas a
alemã, como sempre muito econômica, disse que era muito caro. Ela falou que o
prazo era de 5 dias, e, fiz as contas, daria tudo certo pra próxima etapa da
maratona (receber documento assinado pela clínica, encaminhar pra professora,
pra responsável pelos estágios, pra secretária do doutorado, pro reitor e pra
Deus), fase que tem que terminar entre natal e ano novo, um período óoootimo
para a burocracia andar. Enfim, primeira missão cumprida, não é que o documento
voltou pra minha casa no sábado, com um aviso do correio de que havia selos
insuficientes?! Oras, eu tinha postado o
raio do envelope através no próprio correio, depois de encarar fila e esperar a
retardada da funcionária esclarecer com a colega todas as suas mil dúvidas
sobre como mandar uma carta pra França! O pior é que eu tinha pagado o valor do
envio internacional, a anta é que não colocou um selo. Me corroí de raiva ao
perceber que não chegaria em tempo se eu postasse de novo na segunda e ao
descobrir que o único correio aberto no sábado à tarde era o de um shopping em
Karlsruhe, me obrigando a encarar 40 minutos de viagem até lá; dessa vez pelo
menos num friozinho de 4 graus. Pois chego eu no endereço indicado na página do
correio na internet e se trata de um balcão de assinatura de tv a cabo! Ok,
eles também despachavam envelopes: cobravam a remessa lá e esperavam o correio
vir buscar... na SEGUNDA-FEIRA! Genial, pedi pra postar com urgência, dane-se o
preço. Mas esta modalidade ele só tinha para pacote, não pra envelope. Então o
funcionário, super gentil, embrulhou meu envelope inteiro com uma fita de
pacote e, apesar de ultra tosco e dele não saber se devia me cobrar o valor
integral ou subtrair o valor do selo que já estava no envelope, disse que “com
ele não tinha erro”. Tive vontade de ir lá rogar uma praga de azar sexual eterno quando o maldito envelope me aparecer de volta em casa na quarta à noite!! Fiquei louca! Carreguei o Marco pra ir comigo na central dos correios reclamar, pois minha experiência de tentativa de queixa no correio aqui da roça tinha sido traumática (depois de passar vergonha ao ter dificuldade de explicar no meu alemão sofrido, diante da
fila-público, que o-envelope-que-ela-tinha-mandado-voltou-com-a-informação-de-que-não-havia-selos-suficientes-mas-que-eu-tinha-pagado-o valor-certo-e que- eu-perdi-o-meu-sábado-no-frio -por-causa-disso, ela cagou baldes, me olhando com
cara de “não estou entendendo”.) Bom, após uma fila monstra no correio central e a explicação do absurdo para a funcionária, a imbecil diz que não podia fazer nada pois "não tinha sido erro dela"! E depois de muitos argumentos ignorados, terminamos dizendo que ela, como funcionária, representava o correio, ao que ela respondeu, no radicalismo da lógica alemã de "cada um por si", que, não, de forma alguma! E pra piorar, não quis mandar meu envelope nem eu pagando de novo, pois "estava muito velho"!
Hoje liguei pela 17ª vez pro curso de alemão
que quero fazer e, finalmente atendida, soube que sou obrigada a fazer uma
prova de nivelamento pra definir em que curso devo me matricular e que, não,
não posso simplesmente experimentar uma aula, mesmo sabendo muito bem em qual
nível parei de estudar. Tive que ligar mais várias vezes pra confirmar que o
teste não era pago. Cumpri o script e fui lá fazer a prova em vez de começar
logo o curso, e ganhei de presente 7 graus, bem melhor! Chegando lá tinha que
esperar atendimento, no qual se preenchia uma ficha para ficar na fila para fazer
a prova. Prova feita, devia-se esperar a correção para conversar com um
professor pra ele te perguntar em que nível você quer ficar!! E tinha que pagar
o raio da prova sim, inacreditável. E não adianta nada dizer que ligou de manhã
e falou com a atendente que disse que não tinha que pagar.
Tem também a novela dos contratos, nos quais
não é preciso assinar nada para se prender a um serviço em que se é obrigado a
pagar por 2 anos, sem possibilidade de cancelamento, mesmo quando as condições
apresentadas por um vendedor não condizem com o serviço prestado e os
atendentes de um número para o qual a ligação custa 1 euro por minuto dizem
cada hora uma coisa. Papo de você ter um plano de internet que custa 20 euros
por mês e ser cobrado em 25 euros cada mês. Aí você liga e gasta 4 euros pra
ser atendido e a pessoa informa que os 5 euros a mais é porque você tem direito
a telefone fixo também (só nos faltava o aparelho!) Comprado o aparelho,
descobre-se que não se sabe como fazer funcionar o telefone e paga-se de novo
uma longa ligação pra ouvir do atendente que não, não há telefone fixo no nosso
contrato! E depois de dezenas de outras chateações com a internet, a gota
d´água foi a cobrança de um modem que não sabíamos ter que pagar. Tentar cancelar
é roubada, eles te processam por interromper o contrato antes da hora.
E só para completar o meu desfile de chatices
nesse post tão ruim que ninguém vai ler, mas que tem a função de botar pra fora
minha frustração com a tal organização alemã: mesmo aqui na roça, mesmo sendo
um prediozinho de 3 andares, o governo subsidia reforma para acesso a
cadeirante e para uso de energia solar. Bacana pra caramba, ainda mais quando
vemos aqueles prédios sendo construídos, guindastes até pra botar uma janela
numa casa de apenas um andar, tecnologia altamente avançada, tijolos enormes
que isolam o frio e fazem circular o ar no calor, pouquíssimos funcionários e
uma casa que brota em 2 meses, tudo lindo! Apesar da chatíssima reunião de
“condomínio” (são 3 apartamentos) pra decidir se queríamos venezianas que abrem
e fecham girando a manivela ou puxando a corda pra cima ou pra baixo, me senti
super respeitada com a democracia da decisão (poxa, a gente vai ficar tão pouco
aqui e nossas preferências estão sendo ouvidas e acolhidas!) e com a loooonga
explicação sobre cronograma e como tudo ia funcionar. Bom, não cabe enumerar a
sucessão de absurdos que tem sido essa obra, que cimenta o vidro lindo que
iluminava o interior do prédio e troca portas de madeira por portas de metal
cinza que mais parecem naves especiais (contextualiza que estamos numa
ruazinha, no meio do nada, chamada “Floresta Negra”!), além de deixar há 6
meses uma sujeira permanente, isso sem mencionar o barulho. Mas só pra terminar
o desabafo: a primeira surpresinha foi quando voltamos de viagem, isso em
agosto, com os sogros, que iam finalmente conhecer nossa casita linda, e havia
um caos instalado! Os operários pegaram a chave com a vizinha e, durante nossa
ausência, remontaram as janelas, que, além de ficarem horríveis, deixaram um
lastro de poeira na casa toda. Quatro meses
sem esquadrias nas janelas (horrível) se passaram e hoje voltaram a colocá-las,
depois de 25 agendamentos, esperas e estadas em casa pra receber pedreiros que
não vinham. Foi assim: hoje, sem que se esperasse, vieram logo dois caras.
Marco foi abrir a porta, às 8h da manhã, como de costume. E estou eu ainda
transitando do mundo onírico pro mundo dos acordados, quando entra um homem no
quarto, cuja porta estava fechada, sem nem bater! Sim, bom dia!
Ah, exemplo mesmo da organização alemã é a
caixa do supermercado. Não importa qual mercado e em que lugar da Alemanha,
elas são incríveis! Você colocou seus produtos na esteira e, ainda não conseguiu
abrir a bolsa pra tirar a carteira e ela já passou tudo (pode ser grandes compras
do mês!) e já está te olhando repreendedora porque você ainda não guardou tudo
nas suas sacolas de compras que você levou de casa (você não conseguiu nem
começar a guardar e ela já começa a passar as compras do outro, que rapidamente
se misturam com as suas). Uma loucura! Morro de medo de ir ao mercado. Fico tão
nervosa de lerdar, que nunca achava a carteira em tempo! Agora já estou
esperta: vou pra fila com a carteira na mão e as sacolas a postos, pra correr
pra ponta do caixa e tentar botar tudo dentro o quanto antes, isso tudo
tremendo! Bem que essas caixas podiam trabalhar no correio ou na obra aqui de
casa...