Tá certo que eu sou chegada a um desafio. Eu mergulho de
cabeça nos projetos mais absurdos e desconhecidos e, sortuda que sou, sempre dá
tudo certo. Aí lá fui eu me meter a morar na Alemanha e fazer mestrado na
França, achando que podia ainda fazer a acrobacia de estudar alemão, em vez de
francês, que é um bocado precário pra quem ambiciona fazer um mestrado. E vai
lá a criatura pro primeiro dia de aula, desta vez super tranqüila e segura,
após a experiência bem-sucedida da inscrição, em que achava que não conseguiria
comunicar nem “olá, vim fazer minha matrícula” e no fim funcionou super bem.
Bom, pulando o atraso do trem, as várias baldeações que preciso fazer, as 3
horas de viagem e a parte em que eu resolvi ir a pé pra Universidade e que me
perdi várias vezes e cheguei esbaforida, molhada de chuva e atrasada, o meu
mais novo desafio começou lindamente. No que entro no instituto de psicologia perguntando
sobre a reunião do mestrado, uma simpática senhora vira-se, sem que eu
precisasse me apresentar, “Madame Kempér!” “Seja bem-vinda” e pede pra uma moça
me levar até a sala de reunião. Uau, quer dizer que já sabiam quem eu era e eu
nem precisava falar francês?! Que alegria! A mocinha, meio antipática, me
acompanha e entra também na reunião. Idiotamente sento eu na cabeceira, onde
havia uma cadeirinha livre, e onde se revela ser o lugar dos professores!
Depois tentei trocar, mas foi tarde demais, me mandaram ficar. E a NOJENTA,
CACHORRA, VACA da diretora do mestrado fala meia dúzia de informações inúteis e
pede pras pessoas se apresentarem. Eu, morrendo de medo de ser a escolhida pra
começar, pois estava bem do lado dela, mas, ufa!, meu anjo da guarda estava lá
e o pesadelo começou pelo outro lado. Eis que a mocinha que entrou comigo se
apresenta como brasileira, explicando que era seu segundo ano lá. Eu, toda
feliz da vida, quase fico com câimbra facial de tanto sorrir e tentar me
comunicar magicamente pelo olhar: “que legal, eu também, olha que lindo!!” E a brasileira,
francesamente, caga mil kilos! Aí todos falam seus nomes, o que farão de
estágio ou inserção em grupo de pesquisa, e seu tema. E eu, curiosamente tranquila,
sendo a última a falar, faço exatamente o mesmo. Eis que a cachorra vira-se e
diz: “em primeiro lugar, o fulano (de cuja pesquisa eu vou participar) não é
professor; ele é apenas um colaborador associado. Em segundo lugar, “o que
miséria tem a ver com psicanálise?” “Você está num mestrado em clínica”! Eu
devia ter dito: “ah, jura?! Que coisa, me inscrevi neste programa, tive o
trabalho de escrever um projeto de mestrado e preparar um dossiê enorme que
foram aprovados por vocês, vim até aqui fazer a matrícula, gasto uma fortuna e
um tempão, tendo que mudar de trem 3 vezes pra chegar até esta Universidade, e
não tenho Ideia do que se trate!” Mas eu travei, paniquei, e não consegui explicar
a relação entre meu projeto e clínica, que já é difícil de explicar em
português, mas que, sim, obviamente, existe. E a vaca continuava a olhar pra
mim: “então?” E eu não conseguia falar nada, as palavras não vinham!! Foi
horrível! Até que eu consegui dizer que meu francês não era bom, mas que eu
acreditava que aos poucos eu ia pegar, e que era difícil pra mim explicar, mas
que, naturalmente, tinha a ver, sim. Mas depois disso quis morrer, desaparecer
e, obviamente, não escutei mais nada da meia dúzia de abobrinhas que ela falou.
E essa maldita reunião que me custou minha auto-confiança, a empolgação com o
mestrado, 6 horas de viagem e 28 euros, durou menos de uma hora (embora tenha
parecido uma eternidade!) e não me esclareceu uma vírgula das 247 dúvidas que
tenho (a começar pelo horário maluco, que a cada vez que eu entro na internet
pra confirmar, muda).
Bom, talvez eu não dê mesmo pra coisa acadêmica, apesar do
meu percurso universitário (fui bolsista de iniciação científica a faculdade
toda e era ótima aluna). Mas pelo menos eu sei fazer feijoada!! E mais: sei
fazer duas feijoadas divinas em dias consecutivos (é, a primeira não durou até
o almoço do dia seguinte!) Aliás, desafios não faltaram nesses últimos meses:
aprendi a ter um novo estado civil, a gerenciar uma casa, a deixar de trabalhar
loucamente, a cozinhar, faxinar, lavar roupa, a falar um pouco de alemão, a me
virar neste país esquisito e a ter a cara de pau de encarar fazer um mestrado
numa língua que eu não domino tão bem. E pra isso, preciso aprender, segundo
minha amiga Olívia, ainda uma outra coisa: a fazer cara de cú quando a sorte,
excepcionalmente, não estiver soprando a meu favor! :o)