Hoje comemoro 4 meses de Alemanha. Que louco! Ao mesmo tempo que passou muito rápido, parece que minha tão cara vidinha brasileira está num passado meio longínquo... Já me sinto em casa aqui, é como se cada vez menos estrangeira eu fosse. Aos poucos, a cultura alemã nos é tão familiar que já nos acostumamos com o que antes causava tanta estranheza. Acho que, nesse sentido, o que merece mais destaque é a total quebra dos estereótipos que tínhamos. Pra começar, os alemães, pelo menos os daqui do sul, não são, de maneira geral, nem altos, nem louros (naturais, porque, curiosamente a maioria das mulheres pinta o cabelo de louro claro). Alguns dos apartamentos que visitamos no início foram descartados porque simplesmente nós dois (tudo bem, muito altos para os padrões brasileiros, mas para os alemães também!) não cabíamos debaixo do chuveiro, ou mesmo para lavar louça, por o teto ser muito baixo! Mesmo aqui na nossa “mansão”, que é sótão, muitas vezes batemos a cabeça nas quinas do teto até nos acostumar. Outro ponto que muito me intrigou é que os alemães, que, são, sim, muito organizados em alguns aspectos, são às vezes tão caóticos e burrocráticos como nós. Na prefeitura onde nos registramos, foi um problemão para eu conseguir minha permissão de residência: mesmo com toda a documentação do DAAD (programa de intercâmbio do Marco, que é vinculado ao consulado e que estimula também a vinda de cônjuges) e com todas as orientações, tivemos que voltar lá 7 vezes e a cada ida, a funcionária dava uma informação diferente, uma nova exigência que me impedia de conseguir o visto! Tivemos que, com o nosso jeitinho brasileiro, pedir a intervenção da pessoa responsável pela bolsa do Marco! Não houve um contrato que assinamos aqui (telefonia móvel, internet, aluguel, academia) que não tenha nos dado a maior dor de cabeça. Pra começar, ao contratar qualquer serviço aqui, você precisa dar os dados bancários e a cobrança é feita sempre em débito automático, sem sequer se receber um boleto ou uma conta! Em todos os casos listados acima, tivemos problemas: todas as prestadoras de serviço cobraram a mais ou por mais tempo, mesmo depois de termos cancelado o contrato, e pra resolver esses problemas aqui é igualzinho ao Brasil: horas de telefonemas, funcionários incompetentes, informações não registradas, com o agravante de que a gente não tem telefone fixo e todas essas ligações, feitas de celular, são caras, mesmo quando é pra própria operadora! O nosso primeiro contrato de aluguel, então, está sendo o maior problema. Depois do babaca do proprietário do nosso antigo apartamento entrar daquele jeito, ditando regras sobre como deveríamos arrumar a “nossa” casa, finalmente finalizamos o contrato na data prevista e até agora, quase um mês depois, não recebemos de volta os 540 euros da caução (aqui paga-se, além de uma taxa alta de porcentagem para a imobiliária, caso se tenha fechado um contrato de aluguel com corretor, um caução para garantir o custo de quaisquer danos feitos no apartamento). Bom, os serviços aqui são super precários, é algo inacreditável. Já escrevi sobre como são ineficientes, por exemplo, os tais corretores, que recebem o valor de cerca de 3 alugueis (uma média de 1500 euros!) pelo “trabalho” de te mostrar um apartamento. A má qualidade do atendimento é meio regra geral aqui: é raro encontrar uma garçonete que não seja antipática, ou um comércio que tenha funcionários prestativos. Eu atribuía à cultura de independência dos alemães o fato de, por exemplo, numa loja você ter que se virar pra procurar seu tamanho de roupa ou de sapato, ou comprar um móvel em que você mesmo busca as peças na loja, carrega pra casa e depois monta. Mas tenho reparado que também tem a ver com a maneira como se encara o trabalho. A impressão que dá é que as pessoas não se preocupam em trabalhar bem, talvez por não haver tanta concorrência no mercado de trabalho, ou pelas taxas de desemprego não serem tão altas. Certamente tem também a ver com uma qualidade de vida maior, em que, em geral, se chega em casa às 5 da tarde, e muitas vezes não se trabalha às sextas-feiras. A mentalidade capitalista, definitivamente, não reina aqui: além de ninguém estar nem aí para a qualidade do serviço prestado e se o cliente vai ou não voltar, o comércio aqui NUNCA abre aos domingos, fecha, em geral, às 20h o mais tardar e, comumente, não funciona às quartas, além de alguns fazerem uma pausa diária para a siesta! Aqui não existe mercado ou qualquer outra coisa 24 horas, nem entrega em casa, nem serviço em domicílio, nem funcionário para fazer por você qualquer coisa que você possa fazer sozinho! A exceção é para o comércio ou para funcionários estrangeiros, estes sim super simpáticos e muitas vezes com horários menos germânicos. Aliás, os estrangeiros, como eu disse em outro post, parecem maioria aqui. São vistos por todas as partes, muitos abrem comércio, são empregados em todos os setores da economia alemã, parece que trabalham bem melhor e, não à toa, são “importados” de todo o mundo para fortalecer a economia e a academia alemã. Aos poucos começamos a entender esse estímulo do governo alemão para a vinda de estrangeiros (a bolsa do Marco é um exemplo). No meu curso atual de alemão, todos os professores, sem exceção, são estrangeiros! E são incrivelmente melhores que a senhorinha germânica da outra escola. Ah, a língua alemã merece um post à parte! Mas funciona igualzinho: aparentemente super precisa e organizada – tem uma palavra pra cada exato sentido (por exemplo, ir ou se perder à pé ou ir ou se perder de carro), mas tem palavras iguais para sentidos muito diferentes (por exemplo: andar e correr, namorado e amigo – tudo bem que esta diferença também não existe em inglês, mas vamos combinar que o alemão é uma língua beeeeeem mais complexa, com muito mais palavras). Fora a ordem das coisas na frase: em muitas construções é preciso dar todas as informações (sujeito, tempo, causa, modo, local) para, no final, às vezes de uma frase enorme, vir o verbo, que traz a idéia principal! Ou seja, você só diz ou só entende o sentido no final. Mas apesar de ser uma língua difícil, eu tenho adorado estudar alemão e sinto muita pena de agora encerrar o curso, pra viajar um pouco e depois me organizar pro mestrado, que começa em setembro. Agora, um ponto positivo da desconstrução dos estereótipos do alemão foi a surpresa de vê-los festivos, animados e muitas vezes tão espontâneos quanto a gente. Nos bondes, as conversas são tantas e tão altas, que chega a ser bem barulhento, ao contrário da discrição e da contenção que imaginávamos. E, apesar dos serviços, em geral, funcionarem mal, temos encontrado algumas pessoas extremamente simpáticas e prestativas. No verão, então, as ruas são uma festa, com mil eventos rolando, pessoas animadas, bebendo e curtindo a vida. Os fins de semana parecem um pouco o nosso carnaval, com festivais, gente fantasiada e muitos noivos, em despedida de solteiro, fazendo brincadeiras e abordando pessoas nas ruas, um barato. Em Heidelberg, fomos “atacados” por um grupo de moças querendo cortar a etiqueta da cueca do Marco! É claro que contribuímos para a tarefa da despedida de solteira, mas eu fiz questão de ajudar a localizar o objeto de desejo das meninas!